domingo, 1 de maio de 2011

Contraindo o descontraído

- Antônio! O Alfredo me chamou pra almoçar na casa dele, vamo?
- Ah, sei lá, nem conheço ele...
- Que nada! Não tem essa com ele. Ali todo mundo é da casa, sem cerimônia, num tem frescura.
Sem frescura? Já é, então. Boto meu bermudão, minha camiseta estilo "liberdade pra dentro da cabeça", meu chinelo e vou. Chegando lá, mas que vergonha: um apartamento por andar, 500 m² só na parte de baixo, empregadas uniformizadas, orquídeas...enxergo o anfitrião: relaxado? Tudo pose: camisa pólo Ralph Lauren, bermuda nude, sapato Crocs, chapéu Panamá.
- E aí, cara, tudo bem? O Bruno me falou muito de você.
- Tudo ótimo, claro...- falou bem ou mal? Falou que trabalhava nas Casas Bahia e morava num quarto-e-sala ou que era o primeiro em Geografia e fera no surf?
- Senta aí. Vou trazer alguma coisinha pra vocês beliscarem. Valentina, traz aquele couvert e a manteiga de ervas? Ô, obrigado!
Chega a comidinha. Três tipos de queijo, todos importados. E uma faca para cada um, né? Onde já se viu cortar Gruyère com a mesma faca de brie? Na mesa, livros de artistas renomados, tudo hype: Warhol, Rothko...
- Ih, o pessoal já tá chegando!
Pessoal? Meu deus, socorro! Todo mundo com aquela pose de relaxado, com o visual milimetricamente planejado. A casa era tão grande que não havia interação. Cada um na sua panela, e acaba que a gente não sai pra se divertir, mas pra ficar conversando coisas que se falam em particular, coisas muito pessoais, um clima muito antissocial reinava.
- Senhor, avisa que a comida já está pronta - diz a empregada, coitada, tímida, temendo chamar atenção e ser descontada no salário.
O clima "relax" predominava na mesa também: eram frutos do mar, lula frita, salada de carambola com rúcula baby e cogumelos selvagem. Cara de praia, claro. Mas praia do Hawaii, não do Rio. Praia chique.
Um descontraído tão superficial que as próprias pessoas estavam contraídas, tentando manter a pose não-estou-nem-aí; como se aquele ambiente fosse um fruta, um limão - siciliano! - que eu me situava na casca dele, e quando o espremi para ver se tirava a essência do real descontraído, já estava em casa. Aonde ninguém finge ser melhor do que é e a cerveja somos nós quem servimos.

Um comentário:

  1. Gostei do texto! Só de lê-lo já me senti meio agoniada com o clima, fiquei até com vergonha da roupa que estava vestindo..

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